Ontem (10/4), começou a circular nas redes sociais uma notícia sobre suposta aprovação, pela Food and Drug Administration dos EUA, da droga anti-malárica cloroquina para tratamento da COVID-19. A Rede CoVida – Ciência, Informação e Solidariedade interceptou essa fake-news… “Notícia saída agora do forno. Jornalista Elisa Robson escreveu: O FDA, a agência americana de regulamentação de remédios, aprovou o uso de hidroxicloroquina em todos os pacientes com o Covid-19. O CEO da Novartis anunciou que já tem em mãos os resultados de pesquisas que comprovam que a hidroxicloroquina mata o vírus. Tanto que a empresa vai doar 130 milhões de doses. O custo médio do medicamento no mundo é de US$ 4,65 por mês. Ou seja, tudo indica que a solução vai chegar bem antes do que muita gente gostaria. Talvez seja, inclusive, decisiva para reverter o cenário apocalíptico previsto para as próximas semanas e mudar o curso deste rio. […] Pois por trás disso, para os que querem continuar lucrando, e enfatizo o politicamente, com o pânico e o desespero, o pensamento que predomina é: “A cura não pode chegar tão rapidamente assim!” Mas, se Deus quiser, já chegou.  DIVULGUE AGORA” Foi fácil e simples identificar a suposta fonte. Uma reportagem do Correio Braziliense (12/03/2019) reproduziu matéria da Agência Estado que, por sua vez, remetia ao jornalismo investigativo da Folha de São Paulo. + Dissipar e desmascarar fake news são alguns dos objetivos da Ágora Abrasco, o Redação Nacional, está empenhado nesta ação. “Nomeada assessora parlamentar no gabinete do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), a jornalista Elisângela Machado dos Santos de Freitas repassou ao próprio marido 59% dos recursos que recebeu do fundo eleitoral em sua campanha à deputada federal pelo PRP no Distrito Federal, no ano passado. Ela obteve 11.638 votos e não se elegeu. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que Elisa Robson, nome usado por ela na urna, recebeu R$ 25 mil do fundo eleitoral destinado ao seu partido, constituído por dinheiro público, e gastou R$ 14,9 mil com Ronaldo Robson de Freitas, com quem é casada. O caso foi revelado pelo jornal Folha de S. Paulo.” O que nos interessa, no entanto, bem mais importante que desmascarar a origem dessa fraude, simples mentira contada e divulgada por mera má-fé e desonestidade, é a questão da eficácia da cloroquina para tratamento da COVID-19. Isto se resolve, numa perspectiva científica rigorosa, mediante estudos experimentais. A Epidemiologia Clínica, que depois evoluiu para a Medicina Baseada em Evidências, chama-os de ensaios clínicos controlados. Nesses estudos, pesquisadoras/es buscam testar experimentalmente a eficácia de procedimentos diagnósticos, preventivos ou terapêuticos. O objetivo é identificar efeitos isolados e significativos de um remédio, uma vacina ou qualquer procedimento clínico ou cirúrgico, mediante comparação entre um grupo de participantes que recebem a intervenção e outro formado por sujeitos não expostos à intervenção, com finalidade de comparação. Para termos confiança nas conclusões do experimento, precisamos introduzir controles rigorosos: (a) nas variáveis estudadas; (b) na composição dos grupos; (c) na avaliação do efeito esperado. Com relação ao controle das variáveis, os estudos de intervenção podem ser classificados como controlados ou não-controlados, sendo preferível a presença de grupo de controle. Num estudo sem grupo de controle, não se pode afirmar conclusivamente que o efeito positivo (melhora ou cura) foi devido à intervenção. Por exemplo, se aplicarmos compressas quentes a todos os pacientes de COVID-19 que chegam num dado hospital e 80% saem curados, não é possível atribuir às compressas qualquer efeito terapêutico, já que não se verificou se a taxa de cura seria a mesma sem compressas quentes. De fato, sabemos que cerca de 4 em cada 5 pacientes de COVID-19 que são tratados com os procedimentos atuais de terapia sintomática se curam. Em segundo lugar, é preciso também controlar a composição dos grupos. Nesse critério, um estudo de intervenção pode ser: 1) randomizado – com grupos de casos e de controles selecionados por sorteio (sem interferência do pesquisador); 2) pareado – estudo com grupos constituídos por pares de casos, garantindo composição rigorosamente equivalente em termos de variáveis selecionadas; 3) rotativo – estudo com estrutura baseada na alternância de grupos, em que os participantes que compõem o grupo experimental são realocados, após um certo período, para o grupo controle, e vice-versa. Estudos com grupos experimentais escolhidos a partir de critérios de intencionalidade, disponibilidade ou conveniência têm menor poder conclusivo — como é o caso de alguns testes terapêuticos que têm sido realizados no tratamento da COVID-19. Por último, considerando a avaliação do desfecho em estudos de intervenção, temos os seguintes tipos de controle: 1) duplo-cego – a alocação dos grupos e as medidas são feitas às cegas (ou seja, nem os avaliadores nem os participantes têm conhecimento da composição dos grupos); 2) simples-cego – os participantes não têm conhecimento de sua pertinência aos grupos do experimento; 3) aberto – quando todos os envolvidos têm acesso a informações capazes de indicar a alocação dos grupos experimental e de controle. Estudos abertos são vulneráveis ao enviesamento dos dados pela ação do experimentador ou dos participantes, que poderão, por intenção ou mesmo de modo inconsciente, interferir nos resultados. Neste momento, em todo o mundo, milhões de médicos e profissionais de saúde estão cuidando de milhões de pessoas, milhares de pesquisadoras/es (clínicos, epidemiologistas, sanitaristas e outros cientistas) estão lidando com milhares de casos graves, investigando centenas de pistas terapêuticas, com dezenas de esquemas ainda sendo testados. Muitos são cientistas brasileiros, apesar do empenho do atual governo federal em desfinanciar e sucatear nosso parque científico. Verifica-se no site World Health Organization Database COVID-19 Studies  que estão em curso 590 ensaios clínicos sobre medicamentos e vacinas para a COVID-19 em todo o mundo. Desses, 37 incluem a Cloroquina ou a Hidroxicloroquina isoladas ou em esquemas terapêuticos. Em breve, teremos respostas à questão da eficácia dessas diferentes drogas para tratamento da nova coronavirose, com a necessária credibilidade da comunidade científica. A produção de notícias falsas (como a que mencionei no início deste texto) é uma ação desonesta e criminosa. Infelizmente, essas fraudes continuarão circulando, porque se aproveitam do medo e da ansiedade de uma população que busca qualquer migalha de esperança, num país em que o próprio presidente é um agente infeccioso de desinformação e desmobilização. Fonte / Autor: * Naomar de Almeida Filho é vice-presidente da Abrasco e pesquisador 1-A do CNPq. Professor Titular Sênior do ISC/UFBA, ex-Reitor da UFBA e da UFSB e atualmente Professor Visitante no Instituto de Estudos Avançados da USP. Confira o texto original na página do autor nas redes sociais. “O seu apoio mantém o jornalismo vivo. O jornalismo tem um papel fundamental em nossa sociedade. O papel de informar, de esclarecer, de contar a verdade e trazer luz para o que, muitas vezes, está no escuro. Esse é o trabalho de um jornalista e a missão do Redação Nacional. 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