Brasil, com Bolsonaro e um Governo inexistente

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A palavra do presidente Jair Bolsonaro não vale nada. Diz algo num dia para desmentir suas próprias declarações no dia seguinte, desmoralizando-se como chefe de governo. Bolsonaro tornou-se sinônimo de caos – sua especialidade desde que aprontava como militar indisciplinado. A rigor, sua gestão nem pode mais ser chamada de “governo”, pois um governo presume alguma direção, projetos claros e liderança política razoavelmente sólida. Bolsonaro não inspira nada disso: é, ao contrário, fonte de permanente inquietação e desorganização. Para o País que trabalha e produz, está claro que não se deve contar com um governo que não existe mais, se é que algum dia existiu. Pior: é preciso encontrar maneiras de defender a vida e o patrimônio da dilapidação institucional e administrativa promovida pelo bolsonarismo. Raros são os ministros de Bolsonaro que se salvam. A mediocridade é tamanha que o País aplaude quando um ministro não faz mais que sua obrigação e não atrapalha seu setor. Em áreas estratégicas, como Educação, Saúde, Meio Ambiente e Relações Exteriores, há mais do que simples incapacidade: Bolsonaro colocou ali ministros cuja missão parece ser a de ajudá-lo a vandalizar o Brasil. CONTINUA APÓS PUBLICIDADE De vez em quando, alguém lembra do dever de chamar esses sabotadores à responsabilidade. Atendendo a uma representação do partido Cidadania, que acusa o almoxarife que comanda a Saúde, Eduardo Pazuello, de omissão diante da crise de desabastecimento de oxigênio para doentes de covid-19 em Manaus, a Procuradoria-Geral da República requereu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a instauração de inquérito. Não deve ter sido fácil para o procurador-geral da República, Augusto Aras, fazer o requerimento, mas, premido pela indignação nacional, decidiu afinal tomar alguma providência, e o ministro do STF Ricardo Lewandowski rapidamente atendeu ao pedido de inquérito. A insanidade no Ministério da Saúde, que agora se tornou caso de polícia, retrata com fidelidade a essência do governo Bolsonaro – mas, em defesa do intendente, enfatize-se que a responsabilidade final e soberana é de quem o colocou lá. Foi Bolsonaro quem passou os últimos meses a fazer campanha contra a vacina, contra o distanciamento social e contra as autoridades que trabalhavam para conter a pandemia. Promoveu aglomerações, receitou remédios inúteis e perigosos e escarneceu de mortos e doentes. Pazuello, portanto, não é causa, mas consequência de um catastrófico desgoverno – cujo presidente ninguém de bom senso leva mais a sério e cujo principal fiador, o outrora superpoderoso ministro da Economia, Paulo Guedes, sai de férias e ninguém dá pela falta. Aos brasileiros aflitos com as sombrias perspectivas econômicas após o fim do auxílio emergencial, Bolsonaro reserva o mais absoluto desdém: “Lamento muita gente passando necessidade, mas nossa capacidade de endividamento está no limite”. Ou seja, Bolsonaro não perde o sono diante do sofrimento de milhões de brasileiros a quem lhe coube governar e não toma nenhuma medida para cortar gastos e viabilizar o imprescindível auxílio emergencial. Tampouco se empenha pelas reformas e pelas privatizações. A recente renúncia do presidente da Eletrobrás, Wilson Ferreira Júnior, está diretamente relacionada à dificuldade de tocar adiante a privatização da estatal, em razão da falta de envolvimento de Bolsonaro. Não foi o primeiro a abandonar o barco por frustração das expectativas criadas pelo discurso supostamente liberal de Bolsonaro – no qual só acreditou quem quis. O objetivo de Bolsonaro na política sempre foi o de salvaguardar os interesses de seu clã. Não é por outro motivo que entrou de cabeça no processo sucessório das Mesas Diretoras do Congresso. Quer ali políticos que lhe sejam fiéis o bastante para livrá-lo do impeachment, blindar a filharada e, de quebra, aprovar meia dúzia de projetos para agradar a sua base de fanáticos. Os mortos, os doentes, os desempregados e os famintos só lhe interessam na exata medida de seu projeto de reeleição. Foi a isso que Bolsonaro reduziu a Presidência da República. Fonte: Agência Estado, Redação / Foto: Adriano Machado/Reuters “O seu apoio mantém o jornalismo vivo. O jornalismo tem um papel fundamental em nossa sociedade. O papel de informar, de esclarecer, de contar a verdade e trazer luz para o que, muitas vezes, está no escuro. Esse é o trabalho de um jornalista e a missão do Redação Nacional. Mas para isso, nós precisamos de você e do seu apoio, pois juntos nós podemos, através de matérias iguais a essa que você acabou de ler, buscar as transformações que tanto queremos.