População Carcerária: Um modelo de presídios sem violência no Brasil
Para a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, fundada nos anos 70 e presente em seis estados, recuperação só é possível através da valorização humana. Projeto deverá ser ampliado a nível latino-americano.Marlon Samuel da Silva tem saudades de seu tempo atrás das grades, saudades de uma rotina diária regular, da sentimento comunitário e de cantar. Hoje com 40 anos, ele passou 11 anos e oito meses preso por tráfico de drogas; a maior parte desse tempo, num presídio especial, em que não há armas nem guardas.
Trata-se de uma das 60 instituições mantidas no Brasil pela Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac), atendendo a um total de cerca de 4 mil detentos. Nelas, tudo é diferente: os presos não vestem uniforme, são tratados pelo próprio nome e, em vez de criminosos, são vistos como “recuperandos”. Eles próprios administram o estabelecimento, cozinham, lavam, fazem limpeza, e seu dia a dia é rigorosamente definido.
Ex-detento Marlon Samuel da Silva tem saudades dos tempos de Apac Foto: Privat
“Parece até engraçado falar isso, mas a rotina do Apac faz falta para mim”, revela Silva à DW. “Foi tão gostoso vivenciar esses momentos, eu sinto muita falta. Viajei muito. Eu toco violão, tocava nos outros Apacs, e vivi vários momentos maravilhosos.”
MAIOR RECUPERAÇÃO POR MENOS DINHEIRO
Reconhecimento e valorização na prisão? No cotidiano das penitenciárias brasileiras convencionais, algo impensável: em vez disso, a vida atrás das grades é marcada por tortura, maus-tratos, motins, crime organizado. E superlotação extrema: com 760 mil detentos, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, depois da China e dos Estados Unidos. Segundo a World Prison Brief, o índice de lotação nacional é de 151%.
Silva não esquece a dureza do “sistema normal”, em que passou um ano: “Sofri muito. Nossa, você não sabe como sofri. O sistema comum não foi feito nem para cachorro, muita precaridade. A cadeia pública de Itaúna, por exemplo, comporta 60 presos. Na época em que eu cumpria pena, eram 215. Então ficamos com 38, 35 pessoas numa cela onde cabem nove.”
Nas instituições da Apac, o quadro é totalmente outro, por isso são longas as listas de espera para a transferência para uma delas. Nelas não há superlotação, e a cota de reincidência, de 85% no “sistema normal”, lá é de apenas 15%. Também o ônus financeiro é menor: em vez de R$ 4.200, o custo mensal de um preso é de de cerca R$ 1.600, sobretudo por se dispensar segurança armada.
“Não existem guardas armados nos 60 Apacs que já estão funcionando, não existem agentes penitenciários, não existe polícia civil ou militar”, afirma Denio Marx Menezes, porta-voz da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC), que administra presídios alternativos.
SOB PRINCÍPIO DA VALORIZAÇÃO HUMANA
O fundador da ONG cristã Apac foi o jornalista e advogado Mário Ottoboni: a partir de suas experiências durante visitas a presídios, ele concluiu nos anos 70 que no sistema penitenciário tradicional brasileiro, a ressocialização dos detentos não era possível.
A visão alternativa de Ottoboni se baseava no princípio cristão do amor ao próximo e da valorização humana. Sob o lema “Aqui entra o homem, o delito fica lá fora”, do reformador espanhol Manuel Montesinos y Molina (1796-1862), foi inaugurada em 1976 a primeira instituição da Apac, na cidade paulista de São José dos Campos.
Como revela Marx Menezes, está sendo desenvolvido um plano, juntamente com a pasta da Justiça, para criar uma unidade piloto em cada um dos 27 estados brasileiros. Atualmente há Apacs em seis estados, e em 14 outros eles já estão em vias de implementação.
Fonte: Revista Planeta –
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