BRASÍLIA, DF: A decisão do ministro Dias Toffoli de declarar imprestáveis as provas da Odebrecht contra políticos atingidos pela Lava Jato e de determinar a investigação criminal de procuradores que firmaram o acordo de leniência com a empreiteira consolida a ofensiva de uma ala do Judiciário, da PGR (Procuradoria-Geral da República) e do governo Lula (PT) contra integrantes da operação.
O Executivo petista trata a história da Lava Jato como uma armação para apear o partido do poder. Por um lado, o discurso foca abusos cometidos pela operação mas, por outro, minimiza crimes confessados e verbas bilionárias recuperadas.
Além da decisão de Toffoli, diversas outras medidas foram tomadas para enfraquecer as investigações. A maioria delas se refere a fatos que são de conhecimento público há muito tempo, mas que só agora, no governo Lula, despertaram interesse de serem punidas por autoridades.
A avaliação de integrantes de tribunais superiores é que o clima contra a Lava Jato facilita a reparação de abusos cometidos pela operação. Eles também pontuam que as decisões anti-Lava Jato servem para fazer gestos a Lula, responsável por nomear os cargos vagos nas mais importantes cortes do país.
A operação já sofria um processo de esvaziamento desde a saída de Sergio Moro da magistratura para assumir o Ministério da Justiça do governo de Jair Bolsonaro (PL). Isso foi ampliado com a ascensão de Augusto Aras ao posto de procurador-geral da República e com o fim do apoio à operação por parte de Bolsonaro, após ele tomar posse como presidente.
Agora, o movimento ganhou ainda mais força e mira nos agentes que foram responsáveis pelas investigações.
Nem mesmo o foro privilegiado conferido a parlamentares tem sido suficiente para blindar integrantes da operação. O ex-chefe da força-tarefa da Lava Jato no MPF (Ministério Público Federal), Deltan Dallagnol, teve o mandato de deputado federal cassado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) com base na lei que veta procuradores com processos administrativos pendentes de disputar eleição.
Lula, por sua vez, chegou a lembrar publicamente, já como presidente, que durante a prisão costumava afirmar que só iria “ficar bem quando foder com o Moro“.
O governo aproveitou a decisão de Toffoli para reforçar a ofensiva contra lava-jatistas.
No mesmo dia da ordem judicial de Toffoli, a AGU (Advocacia-Geral da União) criou uma força-tarefa para verificar se foram cometidas irregularidades na operação; o ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), prometeu pedir à Polícia Federal para investigar o acordo de leniência da Odebrecht; e a CGU (Controladoria-Geral da União) afirmou que já analisava a decisão do magistrado antes mesmo de ser notificada sobre a ordem judicial.
Dino é um dos responsáveis por enfraquecer a operação também dentro da PF, que por anos foi um dos sustentáculos da Lava Jato. Isso ficou claro no início de setembro, durante cerimônia de formatura de novos servidores da corporação.
Toffoli também mandou em sua decisão o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), o TCU (Tribunal de Contas da União) e a PGR apurarem a atuação da Lava Jato no acordo de leniência com a Odebrecht.
Parte desses órgãos, aliás, já havia iniciado uma ofensiva contra a operação.
A Corregedoria do CNJ, por exemplo, anunciou em maio a realização de uma correição extraordinária na 13ª Vara de Curitiba, onde teve início a Lava Jato, e na 8ª Turma do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), responsável em segunda instância pelas apurações.
Nesta semana, divulgou um relatório em que afirma ter encontrado “uma gestão caótica” e “possível conluio” no controle de valores oriundos entre acordos de delação premiada e leniência firmados com a força-tarefa da operação em Curitiba e homologados pela vara que estava sob responsabilidade de Moro.
Antes disso, o CNJ havia imposto revés a outro importante integrante da Lava Jato. Em fevereiro, o conselho abriu processos disciplinares e afastou do cargo o juiz Marcelo Bretas, responsável pela operação no Rio de Janeiro.
Na ocasião, foram analisadas três reclamações contra Bretas. Uma delas foi do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), que o acusou de tê-lo prejudicado intencionalmente nas eleições para governador em 2018, devido à divulgação de uma delação premiada que atingia o político.
O caso só foi analisado neste ano. Outros dois processos também levaram ao afastamento de Bretas, em julgamento sigiloso em fevereiro.
Trata-se de uma representação da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) com base em denúncias de um advogado contra o juiz afastado, e de outro processo da Corregedoria do CNJ iniciado após fiscalização apontar “deficiências graves” na 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro.
O STJ (Superior Tribunal de Justiça), que no passado respaldou decisões da Lava Jato, inclusive a condenação de Lula, também passou a impor derrotas à operação nos últimos meses.
O tribunal, por exemplo, mandou Deltan pagar R$ 75 mil de indenização a Lula em razão da entrevista coletiva em que expôs um PowerPoint contra o petista para explicar a denúncia apresentada contra o líder do PT em 2016.
Assim como Deltan, Moro, que foi o principal juiz da operação, tem o seu mandato parlamentar ameaçado. Ele é réu em uma ação de investigação eleitoral sob suspeita de abuso de poder econômico na pré-campanha de 2022. Atualmente busca construir pontes com o Judiciário para manter seu mandato.
No dia seguinte à cassação de Deltan, Moro se reuniu com o presidente do TSE, Alexandre de Moraes.
Moro também esteve em audiências com os ministros do STF Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux.
Em gestos considerados como acenos aos ministros, Moro não assinou o pedido de impeachment de Barroso e criticou a hostilidade a Moraes no aeroporto internacional de Roma. Também quis deixar claro que não era contra a indicação de Cristiano Zanin ao Supremo por Lula –seu adversário nos tempos de Lava Jato–, por questões pessoais.